Impressão de uma mulher comum
Por: Naira Rodrigues
Este artigo se propõem explicitar as impressões e pensamentos de um mulher comum, daquelas que não tem nada de especial, sem habilidades fantásticas ou talentos extraordinários.
Nos últimos tempos tenho me deparado com um crescente número de matérias, programas de televisão e documentários, tratando da temática da pessoa com deficiência do ponto de vista do dia-a-dia de pessoas extraordinárias. Só homens e mulheres, que fazem de sua vida algo fantástico, escalando prédios, cantando divinamente, escrevendo poesias, entre outros tantos talentos. Faz algum tempo que venho me perguntando com seria, na verdade a vida de cada uma dessas pessoas, com que "cara" acordam, como se sustentam verdadeiramente, quando choram ou riem. Confesso que sinto-me excluída desse hall de pessoas fabulosas e, para piorar, fui chamada para um desses documentários, uma proposta envaidecedora, uma vez que seria um filme sobre a vida de algumas poucas pessoas cegas escolhidas e eu, uma pessoa tão comum, fui escolhida!
Pois a coisa não era bem como eu imaginava, no dia da gravação, tudo pronto, um aparato enorme, todos prontos? Eu estava lá ansiosa esperando o que iria acontecer naquele dia.
Durante a filmagem me deparei com um diretor que estava montando um cenário que não parecia muito semelhante ao que representava meu dia-a-dia, enfim, coisas do cinema. Durante a entrevista para o filme, após algumas horas de exaustiva filmagem de movimentos e cenas, para mim, sem nexo, o diretor me faz a pergunta: E você quais seus talentos especiais? Como é sua rotina?
Parei por um instante, pensei no que deveria responder e disse: Meu talento especial? Minha rotina é como a de tantas mulheres que criam seus filhos sozinhas, acordo muito cedo, arrumo meus filhos para a escola, tomo meu café correndo, os levo pra a escola e sigo para o trabalho de metrô.
Ele insistiu: Uma mulher como você ativa, bonita, certamente tem algum talento especial, seus sentidos devem ser muito mais apurados. Você escreve? Canta? Faz algum esporte radical?
Bem, não vou ficar aqui relatando a situação na integra, mas foi isso, ele queria descobrir qual meu "super-poder" e, então quando eu contei detalhadamente minha rotina fui cortada do filme, não tinha o perfil que eles buscavam para aquele documentário.
Tenho a impressão que ainda queremos ver mulheres super poderosas, o mito do super-herói existe em toda a sociedade, mais dentro de nós, das pessoas que precisam mostrar seus poderes para sentir-se gente.
Onde ficam as mulheres, aquelas que tem suas vidas repletas de riscos, alegrias, tristezas, emoções, cansadas e com energia para recomeçar a cada dia.
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência traz um artigo exclusivo para as mulheres com deficiência, afirmando que os estados partes devem promover a proteção pra todas as mulheres com deficiência em igualdade de condições com as demais mulheres do mesmo estado. Pessoalmente, sinto-me contemplada pela Convenção nesse artigo, uma vez que trabalho todos os dias em busca de ser mais uma na multidão, de estar em igualdade de condições, sem mitos especiais, sem compensações quase divinas por ser alguém que com uma deficiência, simplesmente teima em viver.
Talvez, esteja parecendo amarga nesse momento, mas, de verdade, fico pensando porque pessoas comuns, que cuidam de seus filhos, trabalham, pagam suas contas com dificuldades, utilizam transporte público, tentam estar bem com seu corpo, sua imagem, seus parceiros e, tudo isso, incluindo a deficiência, porque essas pessoas não estão na mídia, não fazem parte da representação social que estamos construindo a partir do modelo de uma sociedade para todos.
Bem, estamos em 08 de março de 2010, dia internacional da mulher, de qualquer mulher, da mulher comum, da mulher com ou sem deficiência, da mulher que ama e deseja ser amada, da mulher que vive intensamente cada minuto, daquela que é livre em seu pequeno mundo, daquela que sente-se presa em suas fantásticas vidas de heroínas?.